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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

02- Acerca de um mi(s)tico 2 de fevereiro


ANO
 12
LIVRARIA VIRTUAL em
Www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
3336



Inicio com votos de um sumarento fim de semana para cada uma e cada um de meus leitores. Há leitores especiais para os quais a primeira sexta-feira de fevereiro deste ano é feriado. São os queridos leitores de minha Porto Alegre e outros 36 municípios gaúchos, que hoje vivem um feriado na celebração da mí(s)tica da festa dos Navegantes, que em outros locais é a festa da Purificação (término da quarentena natalina) ou da Candelária. Também hoje, religiões de matriz africana, em admirável sincretismo celebram Iemanjá, a protetora deusa das águas.
Mas este dois de fevereiro é alvo muitas outras celebrações, mas antes de assestar óculos nelas, preciso fazer uma calorosa referência à minha fabulosa jornada cuiabana. Em 2,5 dias tive 5 encontros de quatro horas com educadores de diferentes ciclos do ensino fundamental que envolveu cerca de 1.300 professores da rede municipal de Cuiabá. Foi algo inenarrável.
Entrementes, é para mim significativo acrescentar que de maneira formal, vez ou outra com discrição, referi que muitas de minhas sugestões se tornam difíceis em tempos nos quais vemos a democracia ameaçada pela camarilha que ocupa, ilicitamente, a presidência da República.
Jantei na noite de terça-feira na casa de Irene Mello, que foi a minha primeira orientanda de mestrado em momentos de indizíveis matar saudades. Encontrei-me também com o Eduardo e com a Patrícia, meus dois doutorandos mato-grossenses da REAMEC.
Foram tantos os momentos emocionantes que nem me abalei em ter minha viagem de volta ampliada de quatro horas para catorze: a partida de Cuiabá atrasou em 30 minutos, com isto mesmo que chegasse a Viracopos e o avião que levaria a Porto Alegre estivesse em solo, perdi a conexão e tive que pousar em Campinas e só viajar no dia seguinte.
Mas este estar em Cuiabá me ofereceu dois presentes imprevisíveis. Ao lado de muitos contatos com educadores cuiabanos vivi a dita de duas preciosas surpresas. Cada uma delas daria para blogares exclusivos. Hoje só faço o registro. Fico devedor.
Na viagem Porto Alegre/Brasília/Cuiabá conversei (e conheci ao vivo) Sebastião Pinheiro, ícone da Reforma Agrária na América Latina e referência para minhas aulas acerca de uma agricultura menos degradadora e de alimentação sem veneno, especialmente na formação de professores para acampamentos e assentamentos do MST. De repente a viagem se fez muito breve.
Na manhã de quarta-feira, a conversa com Elpídio no emaranhado trânsito cuiabano se mostrava mais prenhe de interrogantes: igreja apostólica? culto a Maria? Transubstanciação? Santa Vó Rosa? Ministério pastoral? Quando chegamos ao majestoso prédio onde funcionam as Faculdades Integradas Cantares de Salomão não quisera dar por encerrada a conversa, pois o atencioso motorista era também o Pastor Elpídio Santana de Souza, da igreja Apostólica
Ficam deveres. Mas há que voltar a data de hoje.
Volto com uma surpresa: poucas datas — como a de hoje, 2 de fevereiro — são tão prenhes de sincretismos.
Mas, o que tem 2 de fevereiro de especial? Há muito, mas primeiro devo destacar dois detalhes na data: #1: hoje cumprimos 40 dias (completa-se a quarentena) da data do Natal e isto é determinante de celebrações como veremos a seguir. #2: hoje estamos na metade do verão (no hemisfério Sul)ou na metade do inverno; passaram seis semanas de verão (ou de inverno no hemisfério Norte), faltam mais seis e isto também alimenta algumas crenças.
Miro as celebrações de hoje marcadas pelos dois detalhes acerca da localização do 2 de fevereiro no calendário. Vejamos uma e outra das duas marcas, mesmo que os dois eventos se fundam.
Vale observar como a "Festa da Purificação da Virgem" (no rito da Igreja Católica) ou a "Apresentação de Jesus no Templo" (especialmente no rito latino da Igreja Católica), que na Igreja Ortodoxa é conhecido como "Festa da Apresentação de Nosso Senhor e Salvador no Templo", e em Igrejas Anglicanas é conhecido por vários nomes, se transmutou em diferentes celebrações. Em Porto Alegre, por exemplo, nenhuma destas evocações é lembrada. Aqui a comemoração central é Nossa Senhora dos Navegantes ou até popularmente a ‘festa da melancia’ pois esta é fruta mais conhecida nos festejos populares. Mas, há muitos que assumem ser hoje o dia de Iemanjá.
Nossa Senhora dos Navegantes ou Iemanjá? Existe um sincretismo entre a católica Nossa Senhora dos Navegantes e a orixá Iemanjá, divindade nas afro-religiões. Em alguns momentos, inclusive festas em homenagem as duas, as celebrações se fundem. Costuma-se festejar o dia 2 de fevereiro que lhes é dedicado, com procissões fluviais e/ou marítimas.
Em várias localidades há uma fusão de duas celebrações e, então, ao encerramento da festividade católica acontece um dos momentos mais marcantes da festa de Nossa Senhora dos Navegantes: as embarcações param e são recepcionadas por umbandistas que carregavam a imagem de Iemanjá, proporcionando um encontro ecumênico na orla.
A essência da comemoração católica primeva era a apresentação de Jesus no Templo também conhecida como festa da Candelária ou Festa da Purificação da Virgem celebra um episódio da vida de Jesus. Cumprida a quarentena do parto há a necessidade da purificação. Se na tradição judaica a mulher é impura pela menstruação, a impureza pelo sangue do parto era ainda maior. Na igreja cristã chegou-se a vetar o sepultamento no cemitério cristão a mulheres que morressem no parto, ou antes, de cumprir a quarentena. Estas eram sepultadas fora do ‘campo santo’ junto com os suicidas e não batizados.
Lembro como primogênito de sete filhos de minha mãe, por ocasião de batizado de meus irmãos menores, de minha mãe dever esperar fora da igreja, só podendo entrar depois de receber a benção de purificação. Por isso, uma das celebrações de hoje é Nossa Senhora da Purificação.
A outra comemoração é Nossa Senhora da Candelária, ou festa da Candelária ou festa de (Nossa Senhora) das Candeias. Candelária ou candeia é vela, ou castiçal ou ainda o nosso popular candeeiro [objeto de várias formas que, geralmente suspenso ou sustentado por um pé, é destinado a iluminar, sendo alimentado por eletricidade ou por algum fluido combustível como azeite, óleo, querosene, gás, etc. (ex.: candeeiro a petróleo, candeeiro de pé, candeeiro de teto)]
O termo "Candelária" refere-se a práticas encontradas em antigos missais romanos na qual um sacerdote em 2 de fevereiro abençoava as velas de cera para uso durante o ano, quando algumas são distribuídos aos fiéis para usar em casa. Por isso não é sem razão que haja, talvez, mais de uma centena de topônimos ‘Candelária’ ou ‘Candeias’ em dezena de países, em homenagem a Nossa Senhora da Candelária ou das Candeias e que neste 2 de fevereiro têm dia festivo.
Ainda outra dimensão da data: Em Portugal no dia de hoje —a festa da Nossa Senhora da Luz ou Nossa Senhora das Candeias — aa tradição popular diz que o estado do tempo neste dia condiciona o tempo para o resto do inverno. Dizendo-se "Nossa Senhora a rir, está o Inverno para vir. Nossa Senhora a chorar está o Inverno a passar." Quer isto dizer que se no dia estiver sol, ainda virá muito "Inverno", se no dia estiver chuva, o inverno já passou.
Curiosamente esta tradição é semelhante ao Dia da marmota, que se comemora neste 2 de fevereiro, nos Estados Unidos e no Canadá. Segundo tradição, as pessoas devem observar uma toca de uma marmota, se o animal sair da toca por estar nublado, isso significa que o inverno terminará mais cedo, porém, se pelo contrário, o sol estiver a brilhar e o animal se assustar com a sua sombra e voltar para a toca, então o inverno durará mais seis semanas.
Há muitas outras tradições populares que marcam este dois de fevereiro. A blogada se alonga. Amealho mais uma dívida, pautando edições futuras.

7 comentários:

  1. Saudações, meu bom amigo Attico!
    Ontem, já estava eu a esperar por tua blogada.
    Constato que nesta, destacam-se histórias, tradições e fé. Que a multiplicidade de crenças só enriqueça nossa natureza humana, tão diversa! Que as regras criadas pelas complexas relações que se reproduzem no interior dos grupos humanos não sejam de exclusão, mas de inclusão e de valorização de cada criatura. Por estes óculos, quero crer que os impedimentos surgiram por questões de higiene, ainda que, com o tempo passando, as determinações autoritárias acabaram por se sobrepor ao mais importante: a pessoa. Enfatizo "óculos", já que estou a ler (como diriam nossos irmãos portugueses): "Das disciplinas à indisciplina". É claro, fazendo anotações para aproveitar de seu autor, as tantas riquezas que não couberam na publicação. Obrigado, meu amigo! Com o nosso abraço, diretamente de Sorocaba! Élcio e Adriana

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    1. Muito queridos Élcio e Adriana,
      realmente é impressionante a conjugação de celebrações que marcam um 'singelo' 02 de fevereiro.
      Me agradará (agora quase parece esnobe fazer a mesóclise, mesmo que saibamos que a próclise é desrrecomendada no inicio da frase) ler teus comentários ao "Das disciplinas à indisciplina".
      Votos de um domingo sumarento em terras sorocabanas desde uma chuviscosa Porto Alegre,

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  2. Professor Chassot,
    algo aparentemente despretensioso nesta blogada foi significativo para mim. Quase simultaneamente ao ler seu texto pleno de informação e ao ouvir falar pela primeira vez que dia 2 de fevereiro é o “dia da marmota” animal nada bonito que desconhecia, li esta notícia em site brasileiro de notícias: “Dia da marmota: 'prevê' mais 6 semanas de inverno nos EUA. Este evento é tradição desde 1886 em distrito da Pensilvânia.”
    Não fosse seu blogue não teria entendido mais uma tradição bizarra nas celebrações deste 2 de ferreiro bem adjetivado: mi(s)tico. Vale a pena lê-lo.
    Alice

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    1. Atenciosa Alice,
      obrigado por aditar saber a última blogada. Não conhecia a marmotas como meteorologistas e muito menos ainda sua atualidade nos Estados Unidos.
      Nos lermos é salutar

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  3. O que Condorcet diria desta imensa carga mística ainda pujante em tempos de acesso fácil ao conhecimento? O progresso que o mesmo defendia e defende parece caminhar a passos lentos no que se refere ao acesso ao esclarecimento, por ele defendido para todos. Sem desmerecer os milhares de fieis às diversas devoções e manifestações místicas, religiosas...mas uma dose cavalar de ciência, alfabetização científica e politização não faria mal, principalmente em tempos de "espetaculização da vida" e disseminação de ódio ou outro por ser diferente ou querer um mundo de paz e harmonia sem miséria, fome ou degradação da pessoa humana.
    A mística, religião e devoção é completa sem consciência do respeito ou outro? Num mundo em que o controle de metade da riqueza produzida está nas mãos de menos de 10 famílias é possível viver tranquilo sem medo do outro?

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  4. Meu caro Leitor,
    obrigado pelos teus sempre atentos e profundos cometários. O Limite entre o mítico e mistico é muito tênue.
    Saudades de minhas estâncias em FW

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