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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

14.- ¿Escola (ainda) é dogmática?

Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br

*** Edição 1929

O domingo já ia para seu ocaso. Assaltava-me uma preocupação: O que trarei para a edição do blogue de amanhã!’ Devo confessar que não é raro, ao ter que cumprir a blogada nossa de cada dia, estar sem assunto.

Lembro muito uma pergunta que minha mãe fazia, quase a cada noite. O que vou cozinhar amanhã? Claro, para quem tinha que prover nove bocas, com parcos recursos, a busca de alternativas era árdua. È muito significativo que a partir de ter uma edição pronta assalta-me a interrogação: acerca de que vou escrever na próxima edição? Ao final do domingo, mesmo com muita leitura de jornais, usualmente mina preciosa para garimpar assuntos, não havia surgido minério que pudesse catalisar um tema.

Eis que chega, à noite, um alerta do Facebook.

Professor, na sua penúltima aula fez uma afirmação que me deixou muito intrigada: "A escola é dogmática". Em aula, o senhor me respondeu que os dogmas são em decorrência da origem da escolas nas Igrejas, entretanto, não consigo perceber dogmas na escola atual. Por isso a questão ainda me incomoda, quais dogmas a escola atual possui e de que forma se manifestam?

Aproveito a oportunidade para dizer que me sinto privilegiada em ter aula com o senhor e que tem toda minha admiração. Obrigada por ser meu professor, Maríndia.

Dou duas dimensões à trazida desta mensagem:

A primeira, a remoção de um preconceito. Usualmente, cremos que nestas redes sociais só circulam aboborinhas. Ledo engano. Há fóruns com assuntos relevantes. Se não estou equivocado, no Facebook, diferente do Orkut, há uma significativa participação do meio acadêmico. A pergunta da Maríndia dá um pouco a dimensão de algumas discussões que se podem fazer.

A segunda: uma pergunta como a que recebi, não só se faz assunto de uma reflexão mais densa (e espero dar a densidade merecida) mas, recomenda a partição, e por isso ela faz edição desta segunda-feira, imprensada entre um domingo e um feriado nacional, que enseja a muitos um feriadão.

A questão da Marindia teve nascedouro na aula de 01 de novembro, quando comentamos o dia 31 de outubro de 1517 e falamos nas importantes contribuições de Lutero. A Escola como conhecemos hoje é uma presente da Reforma Protestante à Modernidade. Na visão de Lutero, que foi professor na Universidade de Wittenberg de 1508 até 1546, ano em que morreu, o professor era também um catequista, uma vez que a escola tinha por tarefa formar bons cristãos. Com a descoberta da salvação gratuita, da justificação pela graça e pela fé, também mudou, para Lutero, o foco do ensino. Com a Contrarreforma surgem na Igreja Romana, então. ordens religiosas ensinantes como os jesuítas em 1531, (antes as ordens religiosas eram orantes, hospitalares, mendicantes).

Assim, como as universidades que já existiam desde o século 12, marcadas pela exigência de licença papal para ensinar, as escolas também se moldam a maneira de como se ensinava os assuntos da fé, marcado por dogmas.

Quando comparo a Escola de hoje, mostro que há não muito, quando se queria saber algo se perguntava ao professor. Sua resposta tinha autoridade e era a referência. Ilustro isso com algo muito pessoal que ocorreu com a Ana Lúcia, quando estava nas séries iniciais do ensino fundamental. Um dia, ao chegar em casa, um contou-me que tinha aprendido na escola o nome das caravelas de Cabral. Ante o meu confessar que não sabia os nomes, ela, surpresa e triunfante, recitou a tríade que todos aprendemos em nossas aulas de História: "Santa Maria, Pinta e Niña". Ao protestar, dizendo que estas eram as caravelas de Colombo, Ana Lúcia foi categórica: "A tia disse!" Isto é: "Roma locuta, causa finita!” [Roma falou, a questão está encerrada]. É dogma, deve-se acreditar. Fomos a enciclopédia – e então não havia Google – e nos verbetes "Cabral" e "Descobrimento do Brasil" não havia qualquer referência às naus cabralinas. Mas se buscávamos referências a "ESQUADRA DE CABRAL e, então, procuramos o verbete "Colombo’ lá estavam a Santa Maria, a Pinta e a Niña, para orgulho dos conhecimentos de história de seu pai. Ana Lúcia não se deu por vencida: "A tia disse! Então a enciclopédia está errada!" Também não aceitou minha sugestão de, no dia seguinte, levar a informação para a professora. O que a escola ensina parecia não ser passível de correção. Precisei eu telefonar para a "tia", que só então se deu conta de seu engano, agradecendo-me e no dia seguinte soube fazer elegante retificação.


Dirá alguém que não é mais assim. Concordo que meu exemplo já tem quase um quarto de século. Mas parece que professoras e professores ainda não se habituaram a trabalhar com a incerteza.

O assunto permite espraiamento. Mas a concluo lembrando Paul Karl Feyerabend (Viena, 13 de janeiro de 1924 — Genolier, 11 de fevereiro de 1994) Filósofo da ciência, viveu em diversos países Reino Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia, Itália e Suíça. Feyerabend tornou-se famoso pela sua visão anarquista da ciência e por sua suposta rejeição da existência de regras metodológicas universais. É uma figura influente na filosofia da ciência, e também na sociologia do conhecimento científico.

De seu livro mais importante: Contra o método [São Paulo: Editora da Editora da UNESP. 2007]

trago apenas uma citação que talvez nos ensine a não sermos dogmáticos e fazer daquilo que ensinamos uma possibilidade e não uma certeza: ...dada uma regra qualquer, por ‘fundamental’ e ‘necessária’ que se afigure para a ciência, sempre haverá circunstância em que se torna conveniente ignorá-la, ou até adotar regra oposta. [...] Qualquer ideia, embora antiga e absurda, é capaz de aperfeiçoar nosso conhecimento. [...] o conhecimento de hoje pode, amanhã, passar a ser visto como conto de fadas; essa é a via pelo qual o mito mais ridículo pode vir a transformar-se na mais sólida peça da ciência.

Mesmo que nem sempre tenhamos facilidades, parece que tenhamos a nos acostumar, cada vez mais, a afiliarmo-nos a Feyerabend. Muito estimada Marindia, parece que é por aí o caminho. Há muito mais, mas a blogada está de bom tamanho. Uma boa segunda-feira para ti e para cada uma e cada um de meus leitores.

7 comentários:

  1. Caro Chassot,

    já conhecia a ilustração que trazes nessa postagem, em conversas que tivemos no nosso conviver acadêmico. Sobre a certeza da Ana Lúcia está a figura da autoridade do professor, no caso, professora. Tive um mestre que escreveu um cartaz e o colocou sobre o púlpito de sua primeira igreja, bem à frente de onde ele ensinava aos domingos: "Quão horrível é esse lugar!". Seguidamente tenho essa sensação quando estou à frente de uma classe. Mesmo que ensinemos a 'incerteza' e a 'indisciplina', ficará marcado, na mente do aluno, o que o professor ensinou. Haja vista, na postagem de hoje, a tua aula na mente da Marindia.

    Um abraço, com votos de ótima segunda-feira!

    Garin

    http://norberto-garin.blogspot.com

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  2. Caro Chassot,
    A guisa de comentário, transcrevo abaixo trecho de texto que publiquei sobre ciência: "A partir do momento que a ciência tornou-se aceita, existe, à disposição daqueles que tiverem interesse, todo um universo de meios pelos quais é possível investigar os fenômenos e trazer à luz novas leis, teses, teoremas, hipóteses e conjeturas que venham enriquecer os conhecimentos que temos do mundo no qual vivemos. A ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. É apenas o melhor que dispomos. Neste aspecto, como em alguns outros, ela se parece com a democracia. A ciência nos convida a dar crédito a fatos, mesmo quando eles não se ajustam às nossas concepções. Aconselha-nos a considerar hipóteses alternativas em nossas mentes, para ver qual se adapta melhor à realidade. Presta-se como ferramenta do cético, do inconformado, do curioso e não daqueles habituados a certezas inquestionáveis. Na verdade, a ferramenta ciências, nos impõe um equilíbrio delicado entre uma abertura sem obstáculos a ideias novas, por mais heréticas que pareçam, e o exame criterioso de tudo, de acordo com o conhecimento já estabelecido. Uma das razões para o sucesso da ciência é que ela tem um mecanismo de correção de erros embutido em seu próprio âmago. Ela se questiona o tempo todo, não há verdade absoluta a não ser na matemática pura. Todas as leis estabelecidas por ela estão sujeitas à contestação sempre que surjam fatos novos que a justifiquem. Ao contrário dos dogmas religiosos, cujos enunciados não permitem questionamentos, dúvidas e contestações, a ciência é muito simples e aberta a novas ideias e modos de interpretar os fenômenos os quais explica ou equaciona. Toda vez que um artigo científico apresenta dados originais, eles vêm acompanhados por uma margem de erro – um lembrete que nenhum conhecimento é completo ou perfeito. Se as margens de erro são pequenas, a acuidade das assertivas é elevada; se são grandes, a incerteza é enorme. Contudo, são justamente as margens de erros que incrementam a credibilidade da ciência, ela é tão sólida nos seus fundamentos, tão imparcial, que se dá ao luxo de expor, sempre que houver, um flanco vulnerável onde é possível opor-se a ela nos seus próprios termos". Esse extrato sobre ciência demonstra como a escola deve se comportar para não ser chamada de dogmática. Abraços, JAIR.

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  3. que bom se as crianças pudessem ter todas "boas" referencias adultas, em relação à valores e saberes. Um adulto compreende que seus conhecimentos são transitórios, mas para uma criança, é necessário, sim, um norte na sua aventura pelo mundo. E em toda aventura se apresentam vários caminhos, senão não seria aventura.
    Inspiradas sejam suas incertezas, Mestre.

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  4. Ave Chassot,

    este ambiente de dúvida somado ao desvinculamento da certeza é salutar na Ciência e deve ser cuidadosamente transposto para a escola. O dogma gera estagnação e, talvez, fanatismo.
    Meu ideal sempre foi Popper, mas esta incursão na pesquisa qualitativa me fez ver Feyerabend com menos preconceito.
    Bem... isto é tema para um tractatus, mas fica aqui uma breve reflexão.
    Boa semana!
    Abraços,
    Guy

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  5. Muito caro Jair, o Polímata
    teu texto corrobora a tese que defendo. Obrigado por adensares minha reflexão,
    com estima
    attico chassot

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  6. Professor Attico,

    Obrigada pela resposta tão atenciosa, com a qual compreendi de que formas a escola pode ser dogmática. Acredito que o professor ainda é uma referência em conhecimentos para o alunos, entretanto, percebo alunos cada vez mais dispostos a desconsiderar as "verdades" da escola. E me questiono se a escola está preparada para trabalhar sem dogmas...
    Obrigada pela atenção e até terça que vem !
    Marindia

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  7. Estimada Maríndia,
    que bom que te sentiste atendida,
    Com estima e até terça-feira

    attico chassot

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